Esses dias reli um poema da Rebecca Horn e
fiquei um tempo mastigando aquilo. Quero te contar sobre isso, sobre o poema e
sobre os devaneios que ele me trouxe.
Tu já ouviu
falar de pássaros migratórios? São pássaros que não possuem waze ou gps, e que
quando precisam migrar sabem exatamente a direção, por puro instinto. E quando
falo MIGRATÓRIO, não ache que é voar de uma árvore para outra, é voar por
quilômetros de distância, tipo 11 mil ou até 70 mil quilômetros. É muito
chão...ou melhor, é muito ar. É um fenômeno fantástico, de uma beleza singular.
Pensando nisso, a palavra que faço emergir aqui, para nós, é: TRAVESSIA.
Como anda a tua travessia? Tua migração? Tua orientação de caminho? Teu
instinto tem te conduzido bem ou tem feito tu girar em círculos sem encontrar
terra firme?
O poema da Becca (apelidei assim pra parecer que somos best friends forever hahaha) diz assim:
“Suspeita-se
que no meio do oceano, exatamente ali, onde segundo os geólogos,
há milhões de anos, a África se separou da América do Sul, existem esses
pássaros que começam a girar em círculos.
Procuram sua terra onde ela não existe mais.
Seu instinto – sobrecarregado por milhões de anos – os conduz à morte.
Apenas os insensíveis alcançam o continente. ”
Esse poema...
Pensa num olhar que ficou no horizonte depois que leu isso.
Ela, Becca,
fala de pássaros, mas é tão fácil de enxergar a nós...
Gosto como ela usa a “insensibilidade” como fator de sobrevivência. De um jeito
sutil ela levanta a bandeira que diz: PRECISAMOS IR ALÉM DAS COISAS QUE
NOS PRENDEM!
Uma das coisas
que, geralmente, nos prendem são os afetos, e cabe tanta coisa na palavra
AFETO: pessoas, coisas, lugares, situações, crenças e tudo aquilo que
emprestamos significado e sentido, assim como os pássaros que buscavam seu
ninho e chão no lugar que não existia mais. Os pássaros insensíveis eram
aqueles que, de certa forma, sabiam que para sobreviver seria necessário ir
além do lugar conhecido.
Com a gente
funciona quase que do mesmo jeito. Em nossa vida temos as Áfricas que se
distanciaram das Américas do Sul deixando um espaço não mais habitável. São
nossas mudanças, nossas perdas, nossos novos momentos e realidades, nossas
novas fases, nossos rompimentos com coisas, pessoas, lugares, nossas malas
feitas para ir embora. A questão é quando surge aquela sensação de que parece
que algo não caminhou como deveria, não está como deveria, não foi como
pensamos, e esses, meus querid@s, são nossos voos em círculo em busca daquilo que
nos dava alívio, mas que não produz mais nada além de um bom afogamento. Nossas
sensibilidades, às vezes, não nos conduzem bem, não nos orientam bem, não
contribuem para encontrarmos terra firme. Existirão momentos em nossas vidas
que para encontrar o repouso tão almejado teremos que aprender a deixar velhas
coisas para trás, mesmo que sejam coisas que antes chamávamos de lar, ninho,
refúgio. Exigirá mais de nossas asas, de nossa força, de nossa energia e de
nossa disposição, mas trará onde colocarmos nossos pés de volta.
O problema é
quando duvidamos de uma terra vindoura por acreditar, fielmente, que a terra que
ERA PARA ESTAR ALI irá reaparecer outra vez enquanto ficamos em círculo
esperando.
Como diria o querido do André Gide: “Você nunca
vai cruzar o oceano se não tiver coragem de perder a margem de vista”.
Que você possa rever quais sensibilidades tem atrapalhado teu percurso e te feito ficar em círculos. Que você encontre a dose certa de insensibilidade para as coisas que precisam ser deixadas para trás em nome de um lugar para repousar, finalmente, teus pés.